De repente, palavras como glúten e lactose passaram a fazer parte do dicionário comum da alimentação. “É uma moda dizer que se é intolerante ao glúten”

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Acreditamos piamente que não há melhor país no mundo para comer do que o nosso. Ninguém ouse sequer duvidar da frescura do peixe que vem da costa ou das carnes de caça que chegam do interior do país. E ai de quem duvide sequer da qualidade da tão almejada “dieta mediterrânica”, considerada até Património Imaterial da Humanidade. Mas quando tudo parece estar bem no reino intocável da culinária portuguesa surgem notícias como as da semana passada divulgadas pelo Expresso e que dão conta que os portugueses comem cada vez pior. Segundo a Ordem dos Nutricionistas, na hora de tirar os produtos da prateleira do supermercado para os colocarem no carrinho de compras, a tendência é que a mão fuja para o pão, as batatas, o leite, o porco e o vinho, deixando para os outros a fruta, os legumes, o grão e o feijão. Talvez seja nesta secção “outros” que se encaixem aqueles que cada vez mais se preocupam com o que comem e que justificam a abertura de restaurantes vegan, de comida orgânica, do paleolítico ou à base de sumos que fazem junções tão estranhas como brócolos e morangos.

Intolerâncias Alimentares: fomos fazer o teste e esclarecemos as dúvidas
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Acreditamos piamente que não há melhor país no mundo para comer do que o nosso.

O Bê-á-Bá das intolerâncias alimentares

De repente, palavras como glúten e lactose passaram a fazer parte do dicionário comum da alimentação. “É uma moda dizer que se é intolerante ao glúten”, admite Pedro Lobo do Vale, “mas a verdade é que há mudanças alimentares que melhoram realmente a vida das pessoas”. Dando o seu caso como exemplo, explica que sempre comeu de tudo e de forma saudável, mas há quatro anos decidiu fazer um teste que lhe deu uma intolerância grande ao trigo. “Cortei-o da minha alimentação e a minha digestão melhorou imenso”, garante.

Antes de avançarmos nos meandros científicos, importa fazer uma distinção: intolerância alimentar é totalmente diferente de uma alergia. A nutricionista que nos fez o teste ajuda a explicar: “a alergia tem a ver com o sistema imunitário, que deixa de reconhecer um determinado alimento”, refere, “nesse caso há uma reação de causa efeito, normalmente a nível cutâneo ou respiratório”. Já a intolerância alimentar pode ser provocada por duas situações: a falta de enzimas digestivas que não são produzidas de forma a processar um determinado alimento. Por exemplo, quem não produz lactase não processo a lactose e, por isso, é intolerante ao leite. A outra forma de manifestação dá-se com a alteração da mucosa intestinal. Existem determinados alimentos que vão provocar a erosão da mucosa intestinal, o que faz com que o intestino fique permeável e não absorva os nutrientes. “Se for o ferro, por exemplo, um primeiro estágio de uma intolerância alimentar pode ser uma anemia”, continua.

Apesar de haver milhares de pessoas que já nascem intolerantes a determinado alimento, existem casos de intolerâncias que se dão ao longo da vida, algumas até de forma momentânea. “No caso de uma gastroenterite, a flora intestinal é destruída. É normal que nos meses seguintes esteja intolerante a alguns alimentos, pelo menos até que as enzimas sejam repostas”, explica Paula Henriques.

Está claro que se a alimentação fosse uma fábrica, o intestino funcionaria como força motriz. “Desde os nossos antepassados que sabemos que é o intestino a comandar grande parte do que acontece com o resto do corpo”, lembra a nutricionista. Os números não mentem: 95% dos casos de pessoas que tem problemas respiratórios ou manifestações a nível cutâneo têm alguma intolerância alimentar. “Daí que pessoas que cortem no trigo ou na lactose se sintam automaticamente melhor a outros níveis que não o digestivo, aquele que pensaríamos como mais automático”.

Mãos na massa (sem glúten, claro)

Com as compras já arrumadas na despensa, está na hora de pôr em prática os ensinamentos dos últimos dias. Ao que nos foi dito pelos especialistas, juntamos uma pesquisa básica no google que deu origem a dezenas de receitas saudáveis e com melhor aspeto que a tigela de cereais e leite que costumava servir de pequeno-almoço. Evitar o pão de manhã, deu origem a papas de aveia adoçadas com banana, panquecas de côco ou bolos feitos no micro-ondas em três minutos. A falta de massa tradicional, encheu o prato de opções mais coloridas: massa de quinoa vermelha ou de spirulina (verde, neste caso) não deixam que um prato saudável seja monótono. Os iogurtes de soja com fruta ou gelatina dão uns lanches de fazer inveja ao colega do lado e quanto ao pão de espelta, garantimos, primeiro estranha-se mas depois entranha-se.

Desengane-se quem pense que o teste nos deu a volta por completo e que deixamos de apreciar o snack que falamos no início do texto. Em vez de pão de trigo com queijo da serra, talvez se opte pelo pão de espelta com queijo fresco. E quanto ao vinho? Ao rever a matéria dada e ao dar mais uma olhada aos gráficos verdes e vermelhos, reparamos que esse foi um item que escapou à análise. A ignorância, diz quem sabe, às vezes é uma virtude. 

https://sol.sapo.pt/artigo/499571/intoler-ncias-alimentares-fomos-fazer-o-teste